Texto: Giovanna Consentini Fotos: Fernanda Frazão
25 de março de 2019
A exuberância da floresta e a beleza das inúmeras quedas d’água fazem de Cachoeira Porteira por si só um destino encantador. Mas é a pesca esportiva que vem atraindo turistas de todo o mundo a esse território, fascinados pela alta diversidade de peixes que vivem naquelas águas.
Tudo isso acontece no rio Trombetas, o novo point do esporte no Brasil. Lá existem mais de 300 tipos de peixes, o que faz deste rio um dos mais ricos em número de espécies registradas na Amazônia, de acordo com o relatório do pesquisador Efrem Ferreira.
Ao longo de 710 quilômetros, desde sua nascente no Suriname até chegar a foz, o Trombetas cruza duas unidades de conservação (UCs): a estação ecológica Grão-Pará e Floresta Estadual (FLOTA) do Trombetas. Essa região, conhecida como Calha Norte, abriga o maior conjunto de Áreas Protegidas do mundo, com aproximadamente 22 milhões de hectares.
Para manter tanta biodiversidade intacta, no Trombetas não há pesca comercial, a população local só tira o suficiente para o próprio consumo. Daí que a pesca esportiva aparece como uma alternativa de renda para as comunidades, prevista no plano de manejo da Flota do Trombetas, elaborado pelo Imazon. As corredeiras e cachoeiras existentes nesse rio também fazem da região uma rota perfeita para o turismo ecológico.
O potencial é bem alto. Segundo Thiago Beraldo, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o turismo em unidades de conservação, como as da Calha Norte, movimenta aproximadamente R$ 4 bilhões por ano e gera 43 mil empregos no Brasil. Esses dados estão presentes na tese de doutorado em Ecologia “Avaliação da oferta, demanda e impactos econômicos do turismo em unidades de conservação federais do Brasil”, realizado na Universidade da Flórida (EUA) .
Para os pescadores amadores interessados, o Trombetas é casa de trairões, pirararas, jaús, piraíbas, jundiás, bicudas, matrinchãs, cachorras, enfim, os mais diversos tipos de peixes. Muitos deles são adaptadas às cachoeiras, como o camunani e o peixe-cana, que se alimentam das frutas e do limo dos rios. O maior desafio, porém, é outro peixe, o Cichla thyrorus. Essa espécie de tucunaré só existe naquele lugar, acima da Cachoeira Porteira, daí que vem seu nome científico: thyrorus, que em grego significa “porteiro”.
Queridinho dos pescadores do Trombetas, o tucunaré porteiro, no entanto, pode deixar de existir caso os planos de construção de uma hidrelétrica em Cachoeira Porteira sigam adiante. Segundo o mesmo estudo de Efrem Ferreira, desenvolvido lá na década de 1980 para avaliar o impacto da obra, a represa pode afetar profundamente toda fauna e flora da região. No caso dos peixes, a modificação dos habitats influi diretamente sobre as funções biológicas de cada espécie, ou seja, na alimentação, reprodução, migração e crescimento. O que pode ocasionar o desaparecimento dos que não se adaptam às novas condições, avalia a pesquisa.
Para conhecer Cachoeira Porteira e seus peixes, é fácil encontrar na internet várias opções que oferecem muitos dias de pescaria. Os pacotes garantem traslado, hospedagem, alimentação e até as iscas usadas na pescada.
A aventura começa de avião, que parte de Manaus ou Santarém até Vila Nova de Cachoeira Porteira. Como essa é a última comunidade que o Trombetas permite o acesso via fluvial, a partir dali os visitantes precisam se embrenhar na floresta por meio de estrada. Alguns quilômetros depois, o trajeto até as pousadas rio acima, é finalizado de lancha.
São várias as pousadas ao longo do Trombetas especialistas nesse tipo turismo. Com acomodações simples e confortáveis elas garantem o descanso dos visitantes. A maioria delas é gerida por quilombolas com ajuda de parceiros externos para promover as atividades.
Jacques Hoffmann é um desses parceiros. Filho de um pescador esportivo, ele e os irmãos fundaram a 3hfishing, empresa especializada nesse tipo turismo. Há 5 anos Jackson vem levando pescadores de todo Brasil para conhecer o rio Trombetas. Mas antes de dar início ao projeto, o empresário precisou do aval toda a comunidade. A proposta de trazer o pesque e solte para lá só foi bem aceita graças ao foco na sustentabilidade. “O turismo de pesca esportiva se você não preserva não acontece, porque se você pegar todos os peixes do dia e matar para consumir ou vender você não terá para amanhã” garante.
Jacques Hoffmann, sócio da empresa 3hfishing, trabalha em parceira com os quilombolas há cinco anos.
Na Alto trombetas Lodge, quem manda é Marciana Franco de Souza, quilombola de Cachoeira Porteira. A jovem de apenas 23 anos é sócia-proprietária e gerente da pousada, que fica a 60 km da sede da comunidade. Com todas as reservas esgotadas até o ano que vem, a pousada gera oportunidade de trabalho para os moradores de Cachoeira Porteira e até de outras comunidades vizinhas. Na visão de Marciana o objetivo do turismo não é concentrar renda e sim dar qualidade de vida ao seu povo. “Sendo piloteiro, cozinheira, camareira, cada um ganha uma porcentagem por esse trabalho. Posso dizer que beneficia muita gente direta ou indiretamente”, explica. Antes das pousadas, a castanha era a principal fonte economica da comunidade.
O turismo também desenvolveu uma “conscientização” socioecológica no local, conta Marciana. “O peixe hoje, para a gente, tem mais valor estando vivo. Sem o peixe, nós perdemos nosso trabalho, nossa renda e a gente não tem como ajudar as pessoas da comunidade”, conta. Por isso, quem vai praticar o esporte no Trombetas já sabe: é preciso devolver todos os peixes ao seu habitat. O manuseio é feito com bastante cuidado para que o animal não sofra nenhum agressão e sobreviva. Os clientes da Marciana não se esquecem dessas regras. “Pedimos para que eles respeitem o que a gente tá fazendo pela natureza e por todos nós”, explica.
“Sendo piloteiro, cozinheira, camareira, cada um ganha uma porcentagem por esse trabalho. Posso dizer que beneficia muita gente direta ou indiretamente”
Marciana Franco de Souza, 23 anos. Comunidade Cachoeira Porteira, Pará
Mas o pesque e solte não é simplesmente devolver o peixe à água. O equipamento utilizado deve ser equilibrado, como anzóis sem farpa, por exemplo. Também não se deve segurar o peixe pelas brânquias (guelras), nem mantê-lo em posição vertical por muito tempo. E na hora de devolver à água, o certo é segurar o peixe pela cauda com uma das mãos e colocar a outra sob o ventre, contra a corrente e aguardar até que ele se recupere do estresse e consiga nadar. Essas e outras recomendações podem ser consultadas na cartilha “Pesque e solte: informações gerais e procedimentos práticos” do IBAMA.
Vale lembrar aos pescadores de primeira viagem que é necessária uma licença para realizar a prática em todo país. Qualquer pessoa tem direito a licença para Pesca Amadora, ela é válida por 1 ano e pode ser emitida aqui.
Além da pesca, Cachoeira Porteira também está despertando para ecoturismo e turismo de base comunitária. Há cada vez mais pessoas interessadas num contato direto com a natureza. Essa é uma ótima oportunidade para quem curte observação de pássaros, por exemplo. Não é raro avistar um gavião real, um bando de araras canindé, ou até mesmo escutar o famoso canto do Uirapuru. A Pousada Rio Trombetas oferece esta opção, além de trilhas diurnas e noturnas, passeios de barco e canoagem.
Para quem gosta de praia, no período da seca do rio, entre setembro e janeiro, se formam extensos bancos de areia nas margens abaixo da cachoeira, mas o cuidado deve ser redobrado. É que algumas dessas prainhas, chamadas de “tabuleiros”, também são utilizados pelas tartarugas para desova de sua nova geração.
E se faltarem motivos para querer visitar esse paraíso, o que resta é lembrar que um banho na famosa Cachoeira Porteira não é nada mal hein.
A pousada Alto Trombetas Lodge oferece pacotes de 7 dias de pescaria individual ou para grupos de até 16 pessoas. O serviço inclui refeições regionais, bebidas a vontade, iscas, traslado e quartos com ar-condicionado. Outras informações: https://altotrombetaslodge.com.br