O sabor da floresta que vem de mãos quilombolas

Texto: Giovanna Consentini Fotos: Fernanda Frazão
8 de abril de 2019

Mãe da Amazônia, a castanha-do-pará é fonte de renda e faz parte da história de várias comunidade quilombolas no Pará

Quando Alexander von Humboldt começou sua famosa expedição pela América do Sul em 1799, ele nem imaginava que seria o primeiro cientista a classificar uma das mais famosas espécies amazônicas: a castanha-do-pará. A grandeza da castanheira e a versatilidade de seus frutos impressionaram o explorador alemão. Também pudera, tudo nesta espécie é grandioso, a começar pelo tamanho.

A castanheira é uma das árvores mais altas da Amazônia, podendo atingir 50 metros de altura, o equivalente a um prédio de 16 andares. Seus troncos tem 2 metros de diâmetro e seus frutos, os “ouriços”, têm o tamanho de um coco e podem pesar até dois quilos. É lá dentro que ficam as castanhas, que na verdade são as sementes da castanheira. Quando está maduro, o ouriço cai da copa das árvores, carregado com até 25 castanhas, sem sofrer um arranhão.

Batizada por Humboldt com o nome científico de Bertholletia excelsa, essa espécie também é chamada de castanha-da-amazônia ou castanha-do-brasil mas ela ficou mesmo conhecida em todo o mundo como brazil nut (nozes do Brasil). O que chega a ser injusto pois a espécie também é encontrada em países como Bolívia, Colômbia, Venezuela e Peru. São aproximadamente 325 milhões de hectares de castanhais em toda a Amazônia, que só se formam em florestas de mata virgem, como as áreas preservadas do rio Trombetas, no Pará.

 

Mãe da Amazônia

Para os quilombolas que habitam essa região, a castanheira é a “mãe” da Amazônia. Afinal essas árvores centenárias foram fundamentais para sua sobrevivência nos tempos da escravidão. Com base em documentos da históricos, o pesquisador Eurípedes Funes encontrou indícios de que os antigos quilombolas praticavam a coleta da castanha para sua alimentação e também para comercialização nos mercados das cidades de Oriximiná e Óbidos.

Até hoje, essa é uma das principais fontes de renda das comunidades. Em Cachoeira Porteira, por exemplo, antes do turismo de pesca esportiva se estabelecer como uma alternativa sustentável, a maioria das famílias da comunidade dependia totalmente da coleta anual de castanha.

Floresta em pé

Atualmente há trabalho o ano inteiro, os meses de dezembro a junho são dedicados ao extrativismo, a partir de julho o turismo passa a ser a atividade principal. “Nossos piloteiros são os castanheiros”, conta Marciana Carmo, proprietária da pousada Alto Trombetas Lodge. Da comunidade até os castanhais, que são de uso coletivo, a viagem é longa e complicada. “As pessoas sobem as cachoeiras, elas correm riscos para trazer botes e botes cheios de castanha”, alerta Marciana.

Na época da safra, os castanheiros passam muito tempo dentro da floresta. É que a castanha cai do pé naturalmente e a coleta deve acontecer com uma certa rapidez para evitar o contato com a umidade das chuvas ou perder as castanhas para as cutias. Esses animaizinhos são os únicos, além do homem, capazes de quebrar os cascos dos ouriços. Além disso, os roedores enterram as castanhas para comer mais tarde, o que acaba ajudando a germinação de novas árvores. Por conta disso os cientistas acreditaram que as cutias eram as verdadeiras responsáveis pela larga propagação dos castanhais na Amazônia.

Mas pesquisas recentes apontam um outro caminho: na verdade boa parte das árvores da castanha-do-pará já vinha sendo cultivada por indígenas antes da chegada de europeus ao continente. Segundo o professor Ricardo Scoles, da Universidade Federal do Oeste do Pará, que estuda as castanheiras há mais de uma década, a presença humana também influenciou o desenvolvimento da espécie. Não à toa, o conhecimento sobre a atividade de extração da castanha são transmitidos de geração para geração na comunidade que conhecemos.

Quilombo Ariramba, Inês

Castanheira na comunidade quilombola de Ariramba, Pará. 2018

As altas taxas de desmatamento na Amazônia ameaçam o trabalho com a castanha. Sem a floresta nativa em pé não há abelhas para polinizar os castanhais, assim não há safra e nem novas castanheiras. Esse ciclo é tão preocupante que hoje a Bertholletia excelsa faz parte da lista de espécies ameaçadas de extinção e está protegida por lei, segundo o Ministério do Meio Ambiente.

As mudanças climáticas agravam essa situação. A safra de 2017, por exemplo, teve uma queda de 70% na produção, possivelmente provocada pela falta de chuvas e a forte seca. Isso afeta diretamente a economia de milhares de famílias que dependem da castanha. Terceiro produto de extrativismo mais rentável do Brasil, a castanha-do-pará movimentou R$ 79,5 milhões só em 2014, segundo dados do IBGE, sendo Oriximiná o município com a maior produção do Pará.

Com castanhais ainda tão abundantes, os moradores de Cachoeira Porteira cuidam e aproveitam. Eles usam a castanha na comida, no artesanato, fazem remédio e óleo para passar no corpo e no cabelo. “Na época da castanha a gente usa ela em tudo”, explica Marciana.

Na culinária, a castanha-do-pará faz sucesso pelo alto teor nutritivo, além do sabor único. Por isso fez ela parte da alimentação dos povos indígenas que habitavam a Amazônia muito antes da colonização e continua nos dias de hoje também com extrativistas e quilombolas.

Para quem busca uma alimentação mais saudável, a dica é se inspirar na dieta desses povos e inserir essa iguaria rica em fibras, proteínas e selênio no dia-a-dia. Além disso, a castanha-do-pará  também é ótima para quem necessita de uma dieta sem glúten e vegetariana.

E da próxima vez que você for comer castanha-do-pará não se esqueça, cada semente vem carregada de muita história.

Ouriço de castanha da comunidade de Cachoeira Porteira, Pará. Foto: @maecachoeira. Siga no Instagram.

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